sábado, 15 de novembro de 2025

Protestos na COP30: os limites do desenvolvimento sustentável no capitalismo.

A realização da COP30 reacendeu, mais uma vez, o contraste entre a retórica diplomática dos governos e corporações e a indignação crescente da sociedade civil organizada. Os protestos que tomaram as ruas de Belém não surgiram como ruído secundário do evento, mas como demonstração explícita de que amplos setores sociais já não acreditam que as soluções apresentadas dentro das conferências internacionais sejam capazes de enfrentar a crise climática em sua profundidade. A crítica central é conhecida, mas ganha novo vigor: há um limite estrutural para qualquer proposta de “desenvolvimento sustentável” enquanto as economias permanecerem organizadas pelos imperativos do capitalismo contemporâneo.

De um lado, líderes estatais e executivos de grandes empresas reafirmam compromissos de neutralidade de carbono, planos de transição energética e metas de redução de emissões. Do outro, movimentos climáticos, organizações indígenas, juventudes urbanas e pesquisadores denunciam que tais metas são insuficientes, frequentemente baseadas em compensações de carbono pouco verificáveis e em mecanismos de mercado que transferem responsabilidade, sem reduzir efetivamente as emissões. Para os manifestantes, há uma contradição intransponível entre a lógica de acumulação — que exige expansão constante, abertura de novas frentes extrativas e aprofundamento de desigualdades — e a necessidade de conter o colapso ecológico.

Os protestos também revelaram as tensões específicas do contexto amazônico. Belém recebeu a COP30 como símbolo global de compromisso ambiental, mas a região continua sofrendo com o avanço do garimpo ilegal, do desmatamento e de megaprojetos que desconsideram modos de vida tradicionais. As vozes indígenas foram especialmente contundentes ao denunciar que o discurso de sustentabilidade, quando apropriado por governos e empresas, muitas vezes serve para legitimar práticas que mantêm a lógica colonial de exploração de territórios e corpos. Assim, a Amazônia transforma-se em vitrine diplomática ao mesmo tempo em que segue vulnerável ao capital predatório.

A insatisfação dos movimentos sociais não se limita ao diagnóstico ambiental: ela abrange também o modo como o capitalismo neoliberal captura a própria ideia de sustentabilidade. A crescente financeirização da natureza — com créditos de carbono, títulos verdes e portfólios ESG — cria uma ilusão de compatibilidade entre maximização de lucros e preservação ambiental. Entretanto, na prática, tais instrumentos tendem a reforçar desigualdades, privilegiando países e corporações capazes de moldar as regras e deixando comunidades locais com os custos sociais e ecológicos. O resultado é um modelo que promete conciliação, mas mantém intactas as estruturas que alimentam a crise climática.

Os protestos na COP30, portanto, cumprem uma função histórica: tensionam o horizonte político e denunciam que a crise climática não é apenas técnica ou gerencial, mas resultado direto de uma ordem econômica que transforma bens comuns em mercadorias e reduz ecossistemas a ativos. Ao afirmarem que “não haverá futuro possível dentro da lógica atual”, os manifestantes apontam para a necessidade de alternativas que ultrapassem a promessa limitada do desenvolvimento sustentável tal como formulado pelas instituições dominantes.

Em última instância, os protestos mostram que, na disputa entre a sobrevivência do planeta e a manutenção de um modelo econômico baseado na exploração ilimitada, o tempo se esgota rapidamente. A COP30, com toda sua diplomacia e seus consensos frágeis, expõe mais uma vez que a transição ecológica não será alcançada apenas por declarações de boa vontade, mas pela confrontação direta dos interesses que lucram com a crise. É nesse choque que se revelam, com nitidez, os limites do desenvolvimento sustentável no capitalismo — e a urgência de imaginar outros caminhos.

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Resultado da preguiça da elite brasileira: enquanto tarifas contra Brasil persistem, China fecha acordo com os EUA.

A história recente evidencia um contraste que se aprofunda a cada novo movimento geopolítico: de um lado, a elite brasileira, acomodada com o papel subordinado que as potências ocidentais reservaram ao país na Divisão Internacional do Trabalho; de outro, a China, cuja estratégia de desenvolvimento se apoiou em planejamento estatal rigoroso, disciplina industrial e uma clara vontade de disputar posições nos centros decisórios da economia mundial. O resultado, visível há décadas, manifesta-se novamente quando, apesar das tarifas que seguem penalizando produtos brasileiros, Pequim avança e firma um novo acordo com os Estados Unidos — o maior competidor e, simultaneamente, o maior parceiro econômico do gigante asiático.

O Brasil, por sua vez, permanece preso a uma lógica oligárquica que não mudou substancialmente desde o período colonial. A elite nacional parece satisfeita com um modelo econômico baseado na exportação de commodities e na dependência tecnológica, aceitando como natural seu papel periférico. Essa inércia estrutural produz uma economia vulnerável às oscilações externas, incapaz de competir em setores de ponta e permanentemente sujeita às decisões tomadas por outros países. A sobrevivência desse padrão não é fruto do acaso: é consequência da falta de projeto, de visão estratégica e, sobretudo, da falta de vontade política de romper com a subordinação.

Enquanto isso, a China trilhou um caminho inverso. Em menos de meio século, passou de país pobre e agrícola para uma das maiores potências industriais, tecnológicas e militares do planeta. Investiu pesadamente em infraestrutura, controla cadeias produtivas inteiras, desenvolveu tecnologia própria, tornou-se líder em energia renovável e inteligência artificial, e hoje disputa com os Estados Unidos a hegemonia global. Não foi sorte — foi trabalho tenaz, continuidade institucional e determinação.

O novo acordo entre China e EUA, enquanto tarifas prejudiciais ao Brasil persistem, ilustra um dado fundamental: o mundo se move pela força do interesse e da competitividade, não por declarações de boas intenções. A China age onde vê vantagem e retorno estratégico. Os Estados Unidos agem para conter, negociar ou ganhar tempo diante de um rival ascendente. E o Brasil? Fica na arquibancada, lamentando, enquanto sua elite celebra a comodidade de continuar fornecendo matéria-prima barata e importando produtos caros.

O episódio revela mais do que uma disputa comercial: escancara a ausência de um projeto de país. Enquanto nações com ambições globais se adaptam, investem e se reposicionam, o Brasil insiste em repetir velhas fórmulas, ainda preso ao pensamento colonial de que é suficiente “ocupar” o lugar que outros decidiram. Só que, num mundo que muda rapidamente, quem não disputa espaço simplesmente perde.

A comparação entre China e Brasil, portanto, é menos sobre cultura ou destino e mais sobre escolhas. A China escolheu ser potência. A elite brasileira escolheu ser satélite. Os resultados estão aí — e continuarão a aparecer, sempre em desfavor de quem prefere a preguiça estratégica ao trabalho de construir soberania.

domingo, 2 de novembro de 2025

Chacina e aprovação de Cláudio Castro: o papel das igrejas na configuração de uma sociedade fundamentalista e reacionária.

As recentes chacinas ocorridas nas comunidades do Rio de Janeiro, sob a gestão do governador Cláudio Castro, escancaram a face mais cruel de um Estado que naturaliza a morte de pobres e negros em nome de uma suposta “guerra ao crime”. No entanto, o que chama ainda mais atenção é a manutenção de altos índices de aprovação de um governo marcado por tragédias humanas e políticas de segurança ineficazes. A explicação para esse paradoxo passa, inevitavelmente, pelo papel político e ideológico desempenhado por parte das igrejas — sobretudo as de orientação neopentecostal — na consolidação de uma sociedade cada vez mais fundamentalista e reacionária.

Nos últimos anos, setores religiosos deixaram de atuar apenas no campo espiritual para ocupar abertamente espaços de poder e influência política. No Rio de Janeiro, essa aliança entre fé e governo é visível: Cláudio Castro, ele próprio um político ligado a igrejas evangélicas, encontrou nesse segmento uma base eleitoral sólida e fiel. As lideranças religiosas, ao associarem o discurso da “ordem divina” à “ordem pública”, acabam por legitimar a violência estatal e transformar a repressão policial em instrumento moral de combate ao “mal”. Essa retórica, ao mesmo tempo mística e política, reforça uma lógica de inimigos e heróis: de um lado, os “homens de bem”; do outro, os “bandidos”, frequentemente identificados com a pobreza e a negritude.

O resultado é a formação de uma mentalidade coletiva que confunde religião com política, fé com obediência e justiça com vingança. O fundamentalismo religioso cria um terreno fértil para o autoritarismo, pois oferece respostas simples a problemas complexos — e, ao fazê-lo, anestesia a crítica social. Quando pastores e líderes espirituais se tornam cabos eleitorais, o púlpito transforma-se em palanque, e a Bíblia, em arma ideológica. Assim, a violência policial deixa de ser um escândalo moral e passa a ser interpretada como “instrumento divino” de purificação social.

Esse processo é agravado por uma crise de valores democráticos. Em vez de promover o diálogo, a solidariedade e a inclusão, muitos templos reproduzem um discurso de exclusão, culpabilizando as vítimas da violência e fortalecendo uma cultura de medo. Essa dinâmica contribui para a formação de uma sociedade reacionária, na qual o conservadorismo se confunde com fé e a obediência ao poder substitui o exercício da cidadania crítica.

Em síntese, a aprovação de Cláudio Castro em meio a chacinas e tragédias não é um acaso político, mas o reflexo de um projeto de poder sustentado pela aliança entre o Estado e setores religiosos que naturalizam a desigualdade e sacralizam a violência. Combater essa configuração não significa atacar a fé, mas resgatar o sentido emancipador da religião e o valor da democracia laica. Somente assim será possível romper com a lógica do medo e construir uma sociedade verdadeiramente justa, humana e solidária.

quinta-feira, 30 de outubro de 2025

China dá exemplo ao mundo ao pedir responsabilidade aos EUA e à Rússia diante das ameaças de retomada de testes com armas nucleares.

 

Em um momento em que o planeta volta a conviver com o fantasma da corrida armamentista, a China surge como uma voz de moderação e responsabilidade ao cobrar dos Estados Unidos e da Rússia contenção diante das recentes ameaças de retomada de testes com armas nucleares. A postura de Pequim contrasta com a retórica beligerante que volta a ganhar força nas grandes potências ocidentais e reforça a importância do diálogo e da diplomacia como instrumentos essenciais para a preservação da paz mundial.

Desde o fim da Guerra Fria, o equilíbrio nuclear tem se sustentado em grande parte por meio de acordos internacionais de não proliferação e pela moratória informal que impediu novas detonações experimentais. No entanto, a escalada de tensões geopolíticas entre Washington e Moscou — intensificada por conflitos como a guerra na Ucrânia e a disputa por influência no Oriente Médio — ameaça desmontar décadas de avanços no controle de armamentos. Nesse contexto, o alerta da China não é apenas prudente: é um chamado urgente à racionalidade.

Ao pedir que as duas maiores potências nucleares do planeta ajam com senso de responsabilidade, a China reafirma um princípio que deveria ser universal: nenhuma nação, por mais poderosa que seja, tem o direito de colocar a humanidade sob risco de aniquilação. O uso ou o simples teste de armas nucleares não é demonstração de força, mas de insensatez. Trata-se de uma ameaça direta à estabilidade global, aos tratados internacionais e ao meio ambiente, cujos efeitos de longo prazo são incalculáveis.

Pequim, ao adotar esse discurso, também busca se posicionar como ator central na defesa de um novo multilateralismo — baseado não na intimidação, mas na cooperação e no respeito mútuo. Essa postura, embora movida também por interesses estratégicos, revela uma compreensão mais madura da interdependência global. Num mundo marcado por crises climáticas, desigualdades e guerras, insistir em exibições de poder nuclear é um retrocesso moral e civilizatório.

Cabe à comunidade internacional apoiar o chamado chinês e reforçar os mecanismos de controle e fiscalização sobre armas de destruição em massa. A retomada de testes nucleares seria não apenas uma afronta aos tratados existentes, mas um golpe à esperança de um futuro pacífico. A China, ao exigir responsabilidade dos Estados Unidos e da Rússia, oferece ao mundo uma lição de equilíbrio e lucidez — virtudes cada vez mais raras em tempos de tensão e irracionalidade global.

Após chacina na Penha e no Alemão, TSE marca julgamento que pode cassar Cláudio Castro.

A coincidência entre a recente chacina nas comunidades da Penha e do Alemão e o anúncio do julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pode cassar o mandato do governador Cláudio Castro (PL) evidencia o colapso ético e político que marca o atual governo do Rio de Janeiro. O episódio escancara não apenas a falência da política de segurança pública fluminense, baseada em operações policiais brutais e ineficazes, mas também o esgotamento de um modelo de poder que se sustenta na violência, no clientelismo e na desresponsabilização institucional.

A chacina — que somou dezenas de mortos, entre eles moradores e suspeitos — ocorreu sob o discurso recorrente de “combate ao crime organizado”, expressão que se tornou uma justificativa genérica para ações desproporcionais e letais em territórios pobres. Em vez de política de segurança, o que se vê é uma política de guerra. O Estado, incapaz de oferecer direitos básicos, como educação, emprego e moradia, aparece nas favelas apenas por meio da repressão, reproduzindo o ciclo de exclusão e violência.

Nesse contexto, o julgamento de Cláudio Castro no TSE ganha contornos simbólicos. O governador é acusado de abuso de poder político e econômico nas eleições de 2022, em um esquema que teria envolvido o uso indevido de servidores e recursos públicos. O processo, portanto, não se restringe a uma questão jurídica, mas revela um modo de governar que normaliza a manipulação e a desigualdade como ferramentas de manutenção do poder.

É revelador que o mesmo governo que naturaliza chacinas e tenta justificar o inaceitável também enfrente acusações de corrupção e irregularidades eleitorais. Ambos os fenômenos — a violência policial e o autoritarismo político — são faces de uma mesma lógica: a de um Estado que se vê acima da lei e que age contra os mais vulneráveis.

A eventual cassação de Cláudio Castro não resolverá, por si só, a crise fluminense. Mas pode representar um ponto de inflexão moral e político. O Rio de Janeiro precisa romper com a cultura da impunidade e da violência institucional. A reconstrução do Estado passa necessariamente por uma política de segurança que reconheça os moradores de favelas como cidadãos e por uma política eleitoral que se fundamente na ética e na legalidade.

Enquanto o TSE se prepara para julgar o destino do governador, as periferias continuam a enterrar seus mortos. O tribunal, mais do que decidir o futuro de um político, julgará também o limite da tolerância da sociedade com um governo que fez da tragédia um método e da violência uma rotina.


quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Rio de Janeiro em Guerra: As 130 Mortes e a Falência da Política de Segurança de Cláudio Castro.

Imagem: G1.
 O Rio de Janeiro vive, mais uma vez, o colapso de sua própria tragédia. A recente onda de violência, com cerca de 130 mortes em apenas alguns dias, escancara a falência completa do modelo de segurança pública adotado pelo governo Cláudio Castro — um modelo baseado quase exclusivamente na repressão policial, sem qualquer política consistente de inclusão social, prevenção da violência ou reconstrução comunitária. O que se vê nas ruas é o retrato de um Estado ausente, que só aparece nas favelas por meio do cano de um fuzil.

O discurso oficial do governo, centrado na “guerra ao crime”, tem se revelado um pretexto para operações brutais que ceifam vidas indiscriminadamente, transformando comunidades inteiras em zonas de combate. A lógica militarizada da segurança pública ignora o fato de que as causas da violência no Rio são estruturais — nascem da desigualdade, do desemprego, da exclusão e da falta de políticas públicas efetivas. Ao insistir em uma política de morte, Cláudio Castro reafirma a opção por um Estado que mata antes de escutar, que invade antes de dialogar.

As 130 mortes registradas não podem ser tratadas como “efeitos colaterais” de um suposto combate ao crime organizado. Elas representam o preço de uma política fracassada, que não busca proteger a população, mas sim demonstrar força e controle em meio à barbárie. As favelas continuam reféns do tráfico e das milícias, enquanto o Estado se limita a intervenções pontuais, espetaculares e ineficazes — ações que alimentam o ciclo de violência, em vez de interrompê-lo.

 

Imagem: Agência Brasil

 

A falência do governo de Cláudio Castro não é apenas administrativa; é moral e política. Quando o Estado naturaliza o extermínio de seus cidadãos, principalmente os pobres e negros das periferias, ele rompe o pacto democrático e revela seu viés autoritário. A ausência de políticas de geração de emprego, de acesso à educação, de urbanização e de fortalecimento da cidadania cria o terreno fértil para a criminalidade — e nenhuma operação policial é capaz de resolver aquilo que nasce do abandono social.

O que o Rio vive hoje não é apenas uma crise de segurança, mas uma crise de Estado. A guerra nas ruas é o reflexo de décadas de omissão e descaso, agora intensificados por um governo que aposta na violência como instrumento político e na morte como estatística. Diante das 130 vidas perdidas, a sociedade fluminense precisa questionar: quantas mais serão necessárias até que o poder público reconheça que segurança não se constrói com balas, mas com direitos?

 

Imagem: Jornal da Unesp

 
 
Enquanto Cláudio Castro se esconde atrás do discurso da ordem, o Rio de Janeiro sangra. E cada corpo tombado é a prova de que o verdadeiro inimigo não está apenas nos morros, mas no Palácio Guanabara — onde a inércia, o autoritarismo e a irresponsabilidade política decretaram a falência moral de um governo que já perdeu qualquer legitimidade para falar em segurança pública.

 


 

terça-feira, 28 de outubro de 2025

A Guerra do Rio e o Colapso do Estado: Quando a Violência se Torna Política Pública.

O Rio de Janeiro viveu hoje mais um capítulo de sua longa e dolorosa guerra urbana. A megaoperação policial deflagrada nos complexos da Penha e do Alemão, que resultou em mais de sessenta mortos, não é apenas um evento de segurança pública — é um retrato cruel da falência do Estado em garantir direitos, promover cidadania e mediar conflitos sociais de maneira legítima. O que se vê nas ruas da capital fluminense é menos uma ação de controle do crime e mais um sintoma de um país que normalizou o uso da violência como instrumento de governo.

Sob o discurso do “combate ao narcotráfico”, o poder público reafirma uma lógica militarizada que há décadas se mostra ineficaz. A retórica oficial — de “retomar territórios” e “impor a presença do Estado” — esconde o fato de que o Estado só aparece nas favelas com armas em punho, tanques nas ruas e helicópteros sobrevoando as casas. O resto do tempo, essas comunidades permanecem abandonadas, sem escolas de qualidade, saneamento, postos de saúde ou oportunidades de emprego. A ausência de políticas públicas é o terreno fértil onde o tráfico e as milícias se reproduzem.

A operação desta segunda-feira escancara também a seletividade da violência. As vítimas são, em sua esmagadora maioria, jovens, negros e pobres — o perfil que há muito tempo define quem pode morrer sem comoção nacional. As estatísticas de letalidade policial no Rio reforçam esse padrão: o estado lidera o ranking nacional de mortes causadas por agentes de segurança, e a impunidade ainda é regra. Quando a política de segurança se traduz em corpos, o que se perpetua é uma necropolítica — uma gestão da morte que escolhe quais vidas têm valor e quais podem ser descartadas em nome da “ordem”.

A cada operação “bem-sucedida” do ponto de vista do governo, o ciclo da barbárie se renova: moradores traumatizados, crianças sem aula, famílias destruídas e territórios ainda mais dominados pelo medo. A ausência de uma política social estruturante transforma o enfrentamento armado em espetáculo, e a guerra diária no Rio se converte em narrativa política — útil para governantes que lucram eleitoralmente com o medo e a sensação de caos.

O problema é que essa guerra não tem vencedores. O tráfico e as milícias se reconfiguram, o Estado se deslegitima e a população pobre continua entre o fogo cruzado. Enquanto a segurança for tratada como guerra e não como política pública, o Rio permanecerá refém de um modelo que naturaliza o extermínio e transforma a tragédia cotidiana em rotina.

A verdadeira paz não virá do barulho dos fuzis, mas do silêncio das desigualdades resolvidas — do dia em que o Estado chegar primeiro com escola, emprego e dignidade, e não com caveirão e munição. Até lá, a “guerra do Rio” seguirá sendo, mais do que um problema policial, uma ferida aberta na democracia brasileira.


O espetácula da Guerra entre os Poderes da República e uma platéia de não cidadãos.

Imagem: Nexo Jornal Há momentos na história em que a crise política deixa de ser um conflito institucional e passa a revelar algo mais profu...