terça-feira, 28 de outubro de 2025

A Guerra do Rio e o Colapso do Estado: Quando a Violência se Torna Política Pública.

O Rio de Janeiro viveu hoje mais um capítulo de sua longa e dolorosa guerra urbana. A megaoperação policial deflagrada nos complexos da Penha e do Alemão, que resultou em mais de sessenta mortos, não é apenas um evento de segurança pública — é um retrato cruel da falência do Estado em garantir direitos, promover cidadania e mediar conflitos sociais de maneira legítima. O que se vê nas ruas da capital fluminense é menos uma ação de controle do crime e mais um sintoma de um país que normalizou o uso da violência como instrumento de governo.

Sob o discurso do “combate ao narcotráfico”, o poder público reafirma uma lógica militarizada que há décadas se mostra ineficaz. A retórica oficial — de “retomar territórios” e “impor a presença do Estado” — esconde o fato de que o Estado só aparece nas favelas com armas em punho, tanques nas ruas e helicópteros sobrevoando as casas. O resto do tempo, essas comunidades permanecem abandonadas, sem escolas de qualidade, saneamento, postos de saúde ou oportunidades de emprego. A ausência de políticas públicas é o terreno fértil onde o tráfico e as milícias se reproduzem.

A operação desta segunda-feira escancara também a seletividade da violência. As vítimas são, em sua esmagadora maioria, jovens, negros e pobres — o perfil que há muito tempo define quem pode morrer sem comoção nacional. As estatísticas de letalidade policial no Rio reforçam esse padrão: o estado lidera o ranking nacional de mortes causadas por agentes de segurança, e a impunidade ainda é regra. Quando a política de segurança se traduz em corpos, o que se perpetua é uma necropolítica — uma gestão da morte que escolhe quais vidas têm valor e quais podem ser descartadas em nome da “ordem”.

A cada operação “bem-sucedida” do ponto de vista do governo, o ciclo da barbárie se renova: moradores traumatizados, crianças sem aula, famílias destruídas e territórios ainda mais dominados pelo medo. A ausência de uma política social estruturante transforma o enfrentamento armado em espetáculo, e a guerra diária no Rio se converte em narrativa política — útil para governantes que lucram eleitoralmente com o medo e a sensação de caos.

O problema é que essa guerra não tem vencedores. O tráfico e as milícias se reconfiguram, o Estado se deslegitima e a população pobre continua entre o fogo cruzado. Enquanto a segurança for tratada como guerra e não como política pública, o Rio permanecerá refém de um modelo que naturaliza o extermínio e transforma a tragédia cotidiana em rotina.

A verdadeira paz não virá do barulho dos fuzis, mas do silêncio das desigualdades resolvidas — do dia em que o Estado chegar primeiro com escola, emprego e dignidade, e não com caveirão e munição. Até lá, a “guerra do Rio” seguirá sendo, mais do que um problema policial, uma ferida aberta na democracia brasileira.


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