A chacina — que somou dezenas de mortos, entre eles moradores e suspeitos — ocorreu sob o discurso recorrente de “combate ao crime organizado”, expressão que se tornou uma justificativa genérica para ações desproporcionais e letais em territórios pobres. Em vez de política de segurança, o que se vê é uma política de guerra. O Estado, incapaz de oferecer direitos básicos, como educação, emprego e moradia, aparece nas favelas apenas por meio da repressão, reproduzindo o ciclo de exclusão e violência.
Nesse contexto, o julgamento de Cláudio Castro no TSE ganha contornos simbólicos. O governador é acusado de abuso de poder político e econômico nas eleições de 2022, em um esquema que teria envolvido o uso indevido de servidores e recursos públicos. O processo, portanto, não se restringe a uma questão jurídica, mas revela um modo de governar que normaliza a manipulação e a desigualdade como ferramentas de manutenção do poder.
É revelador que o mesmo governo que naturaliza chacinas e tenta justificar o inaceitável também enfrente acusações de corrupção e irregularidades eleitorais. Ambos os fenômenos — a violência policial e o autoritarismo político — são faces de uma mesma lógica: a de um Estado que se vê acima da lei e que age contra os mais vulneráveis.
A eventual cassação de Cláudio Castro não resolverá, por si só, a crise fluminense. Mas pode representar um ponto de inflexão moral e político. O Rio de Janeiro precisa romper com a cultura da impunidade e da violência institucional. A reconstrução do Estado passa necessariamente por uma política de segurança que reconheça os moradores de favelas como cidadãos e por uma política eleitoral que se fundamente na ética e na legalidade.
Enquanto o TSE se prepara para julgar o destino do governador, as periferias continuam a enterrar seus mortos. O tribunal, mais do que decidir o futuro de um político, julgará também o limite da tolerância da sociedade com um governo que fez da tragédia um método e da violência uma rotina.

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