A POBREZA DA RIQUEZA
Reproduzo aqui texto de autoria do Senador Cristóvam Buarque, que dispensa comentários.
Por
Cristóvam Buarque
"Em
nenhum outro país os ricos demonstram mais ostentação que no
Brasil. Apesar disso, os brasileiros ricos são pobres. São pobres
porque compram sofisticados automóveis importados, com todos os
exagerados equipamentos da modernidade, mas ficam horas engarrafados
ao lado dos ônibus de subúrbio. E, às vezes, são assaltados,
seqüestrados ou mortos nos sinais de trânsito. Presenteiam belos
carros a seus filhos e não voltam a dormir tranqüilos enquanto eles
não chegam em casa. Pagam fortunas para construir modernas mansões,
desenhadas por arquitetos de renome, e são obrigados a escondê-las
atrás de muralhas, como se vivessem nos tempos dos castelos
medievais, dependendo de guardas que se revezam em turnos.
Os
ricos brasileiros usufruem privadamente tudo o que a riqueza lhes
oferece, mas vivem encalacrados na pobreza social. Na sexta-feira,
saem de noite para jantar em restaurantes tão caros que os ricos da
Europa não conseguiriam freqüentar, mas perdem o apetite diante da
pobreza que ali por perto arregala os olhos pedindo um pouco de pão;
ou são obrigados a restaurantes fechados, cercados e protegidos por
policiais privados. Quando terminam de comer escondidos, são
obrigados a tomar o carro à porta, trazido por um manobrista, sem o
prazer de caminhar pela rua, ir a um cinema ou teatro, depois
continuar até um bar para conversar sobre o que viram. Mesmo assim,
não é raro que o pobre rico seja assaltado antes de terminar o
jantar, ou depois, na estrada a caminho de casa. Felizmente isso nem
sempre acontece, mas certamente, a viagem é um susto durante todo o
caminho. E, às vezes, o sobressalto continua, mesmo dentro de casa.
Os
ricos brasileiros são pobres de tanto medo. Por mais riquezas que
acumulem no presente, são pobres na falta de segurança para
usufruir o patrimônio no futuro. E vivem no susto permanente diante
das incertezas em que os filhos crescerão. Os ricos brasileiros
continuam pobres de tanto gastar dinheiro apenas para corrigir os
desacertos criados pela desigualdade que suas riquezas provocam: em
insegurança e ineficiência.
No
lugar de usufruir tudo aquilo com que gastam, uma parte considerável
do dinheiro nada adquire, serve apenas para evitar perdas. Por causa
da pobreza ao redor, os brasileiros ricos vivem um paradoxo: para
ficarem mais ricos têm de perder dinheiro, gastando cada vez mais
apenas para se proteger da realidade hostil e ineficiente.
Quando
viajam ao exterior, os ricos sabem que no hotel onde se hospedarão
serão vistos como assassinos de crianças na Candelária,
destruidores da Floresta Amazônica, usurpadores da maior
concentração de renda do planeta, portadores de malária, de dengue
e de verminoses. São ricos empobrecidos pela vergonha que sentem ao
serem vistos pelos olhos estrangeiros.
Na
verdade, a maior pobreza dos ricos brasileiros está na incapacidade
de verem a riqueza que há nos pobres. Foi esta pobreza de visão que
impediu os ricos brasileiros de perceberem, cem anos atrás, a
riqueza que havia nos braços dos escravos libertos se lhes fosse
dado direito de trabalhar a imensa quantidade de terra ociosa de que
o país dispunha. Se tivesse percebido essa riqueza e libertado a
terra junto com os escravos, os ricos brasileiros teriam abolido a
pobreza que os acompanha ao longo de mais de um século. Se os
latifúndios tivessem sido colocados à disposição dos braços dos
ex-escravos, a riqueza criada teria chegado aos ricos de hoje, que
viveriam em cidades sem o peso da imigração descontrolada e com uma
população sem miséria.
A
pobreza de visão dos ricos impediu também de verem a riqueza que há
na cabeça de um povo educado. Ao longo de toda a nossa história, os
nossos ricos abandonaram a educação do povo, desviaram os recursos
para criar a riqueza que seria só deles, e ficaram pobres: contratam
trabalhadores com baixa produtividade, investem em modernos
equipamentos e não encontram quem os saiba manejar, vivem rodeados
de compatriotas que não sabem ler o mundo ao redor, não sabem mudar
o mundo, não sabem construir um novo país que beneficie a todos.
Muito mais ricos seriam os ricos se vivessem em uma sociedade onde
todos fossem educados.
Para
poderem usar os seus caros automóveis, os ricos construíram
viadutos com dinheiro de colocar água e esgoto nas cidades, achando
que, ao comprar água mineral, se protegiam das doenças dos pobres.
Esqueceram-se de que precisam desses pobres e não podem contar com
eles todos os dias e com toda saúde, porque eles (os pobres) vivem
sem água e sem esgoto. Montam modernos hospitais, mas tem
dificuldades em evitar infecções porque os pobres trazem de casa os
germes que os contaminam. Com a pobreza de achar que poderiam ficar
ricos sozinhos, construíram um país doente e vivem no meio da
doença.
Há
um grave quadro de pobreza entre os ricos brasileiros. E esta pobreza
é tão grave que a maior parte deles não percebe. Por isso a
pobreza de espírito tem sido o maior inspirador das decisões
governamentais das pobres ricas elites brasileiras.
Se
percebessem a riqueza potencial que há nos braços e nos cérebros
dos pobres, os ricos brasileiros poderiam reorientar o modelo de
desenvolvimento em direção aos interesses de nossas massas
populares. Liberariam a terra para os trabalhadores rurais,
realizariam um programa de construção de casas e implantação de
redes de água e esgoto, contratariam centenas de milhares de
professores e colocariam o povo para produzir para o próprio povo.
Esta seria uma decisão que enriqueceria o Brasil inteiro - os pobres
que sairiam da pobreza e os ricos que sairiam da vergonha, da
insegurança e da insensatez.
Mas
isso é esperar demais. Os ricos são tão pobres que não percebem a
triste pobreza em que usufruem suas malditas riquezas".
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